Inadimplência no agro atinge recorde de 3,49% e deve continuar em alta
O agronegócio brasileiro, motor da economia nacional, enfrenta um cenário preocupante de endividamento. A taxa de inadimplência no setor chegou a 3,49%, o maior índice já registrado, e especialistas alertam que a tendência é de crescimento nos próximos meses.
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Além de fatores externos, como a recente sobretaxa imposta pelos Estados Unidos a produtos brasileiros, mudanças internas na política de crédito rural complicam ainda mais a situação dos produtores.
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O peso das novas regras do Banco Central

No fim do primeiro semestre, o Banco Central (BC) implementou alterações no Manual de Crédito Rural (MCR), elevando as exigências para renegociação de dívidas. Agora, para prorrogar pagamentos, instituições financeiras precisam comprovar que o devedor enfrenta apenas dificuldades temporárias de caixa e que terá condições de honrar os compromissos no futuro.
Exigências mais rígidas
Antes, era suficiente demonstrar perdas por questões climáticas, dificuldades na comercialização ou frustração de safra. Com a nova norma, os bancos devem analisar todo o patrimônio do mutuário, suas fontes de receita alternativas e até bens que possam ser vendidos para liquidar dívidas.
A resolução 5.229 do Conselho Monetário Nacional (CMN) estabelece que as renegociações só serão autorizadas se houver viabilidade econômica comprovada do produtor.
Impacto direto nos produtores
Para especialistas, como o economista e professor da FGV Ademiro Vian, a medida torna mais difícil obter facilidades financeiras. Isso deve elevar o índice de inadimplência e limitar o crédito para futuras operações.
Banco do Brasil registra perdas bilionárias
O Banco do Brasil, principal financiador do setor, desembolsou cerca de R$ 100 bilhões em crédito agro em 2024. Contudo, a inadimplência impactou diretamente seu lucro.
A instituição revelou que produtores deixaram de pagar R$ 12,73 bilhões em dívidas com mais de 90 dias de atraso, o que reduziu os ganhos do banco no segundo trimestre.
Segundo a presidente do BB, Tarciana Medeiros, trata-se do maior índice de inadimplência da história do banco no agronegócio. A carteira agro da instituição supera R$ 404 bilhões, e o índice de atrasos saltou de menos de 1% em 2023 para quase 2,5% em 2024, já se aproximando de 4% neste ano.
As regiões Centro-Oeste e Sul concentram a maior parte dos inadimplentes, sobretudo entre sojicultores, produtores de milho e pecuaristas.
Bancos privados em estado de alerta
Outros grandes bancos também demonstram preocupação com o cenário.
Santander: recomendação de “desalavancagem”
O Santander, que concedeu mais de R$ 22 bilhões ao agro em 2024, já admite aumento da inadimplência. O diretor de agro do banco, Carlos Aguiar, tem reforçado que os produtores precisam se desfazer de ativos para reduzir dívidas, já que os juros ultrapassam 20% ao ano e os preços das commodities estão em queda.
Itaú e Bradesco: discursos cautelosos
O Itaú, com uma carteira de R$ 130 bilhões, afirma que sua base está equilibrada, com boas garantias. O Bradesco, por sua vez, que financia cerca de R$ 80 bilhões no setor, também sustenta que mantém os atrasos sob controle.
Ambas as instituições defendem que o agronegócio atravessa um momento de turbulência, mas deve retomar força após o ajuste.
Endividamento crescente no campo
Até o fim de 2023, o setor agrícola brasileiro vivia uma fase de expansão, com alta demanda internacional, preços valorizados e custos controlados. Muitos produtores aproveitaram o momento para investir em compra de terras, modernização de máquinas e novos financiamentos, muitas vezes sem planejamento de longo prazo.
Com a reversão do ciclo econômico, esses compromissos financeiros pesam. Para Ademiro Vian, “houve exagero em muitos casos. Agora, a recomendação é vender o que for possível e reduzir dívidas, porque os juros atuais não compensam o retorno do setor”.
O futuro do crédito agrícola
Apesar das dificuldades, analistas lembram que o agronegócio já enfrentou crises anteriores e conseguiu se recuperar. A diferença é que, desta vez, o governo federal possui menos margem fiscal para socorrer o setor.
Possíveis saídas
- Desalavancagem: produtores devem priorizar liquidação de ativos não essenciais.
- Revisão de investimentos: frear projetos de expansão e modernização que não geram retorno imediato.
- Negociações diretas: buscar condições específicas com bancos e cooperativas, ainda que mais restritivas.
- Diversificação de receita: explorar atividades alternativas que reduzam dependência de uma única commodity.
