O Brasil está diante de uma das mudanças mais profundas em sua política de trânsito nas últimas décadas. O Ministério dos Transportes propôs uma reformulação no processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), eliminando a obrigatoriedade de formação em autoescolas.
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A proposta, que visa baratear os custos e ampliar o acesso à habilitação, provocou forte reação do setor, levantou questionamentos sobre segurança no trânsito e mobilizou o Congresso Nacional.
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O que propõe o novo modelo da CNH

Fim da obrigatoriedade das autoescolas
A principal mudança proposta é a retirada da exigência de que o candidato à CNH frequente uma autoescola. O modelo atual, que exige uma carga horária mínima de aulas teóricas e práticas, passaria a ser mais flexível. O conteúdo teórico poderá ser estudado:
- Em centros de formação credenciados;
- Por ensino a distância (EAD), com empresas homologadas;
- Diretamente por plataformas digitais da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).
Preparação prática com instrutor autônomo
O candidato poderá optar entre:
- Ter aulas práticas em autoescolas;
- Contratar instrutores autônomos credenciados pelo Detran;
- Preparar-se de forma independente, caso se sinta apto.
A obrigatoriedade permanece apenas para a realização e aprovação nos exames teóricos e práticos, que continuarão sendo fiscalizados pelos órgãos estaduais de trânsito.
Argumentos do governo
Redução de custos e aumento no acesso à CNH
Segundo o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, o custo atual da CNH pode ser reduzido em até 80% com o novo modelo. Hoje, o preço médio de uma CNH pode ultrapassar R$ 3 mil, considerando taxas, exames médicos e aulas obrigatórias em autoescolas.
Catão justifica a medida com base em números alarmantes:
- Estima-se que 20 milhões de brasileiros conduzem veículos sem habilitação;
- A alta no valor da CNH é vista como uma barreira de entrada, especialmente para a população de baixa renda.
“Quando você abre o mercado, a tendência é que a demanda reprimida apareça”, afirma o secretário.
Exemplo de outros países
A proposta do governo se inspira em modelos adotados por países como:
- Estados Unidos
- Canadá
- Inglaterra
- Japão
- Paraguai e Uruguai
Nesses países, a formação de condutores é mais flexível, com foco na prova final e menor intervenção estatal durante a preparação.
Reação do setor de autoescolas
Risco de fechamento em massa
A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto) estima que 15 mil empresas podem fechar as portas caso a proposta avance como está. O presidente da entidade, Ygor Valença, critica duramente a medida.
“Vão jogar esses trabalhadores e novos condutores na rua? Isso é uma substituição, não uma flexibilização”, disse Valença.
Preocupações com segurança viária
A principal crítica do setor é o possível aumento de sinistros e acidentes nas vias.
Valença afirma que as autoescolas são, muitas vezes, o único momento em que os cidadãos têm contato com educação para o trânsito, disciplina que, apesar de prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), é pouco praticada nas escolas públicas.
“Tirar a educação do trânsito do processo por causa de preço pode causar um impacto terrível nas mortes e acidentes”, alertou o presidente da Feneauto.
Setor quer participar das discussões
Apesar da oposição à proposta atual, a Feneauto se mostra aberta ao debate e à modernização do processo de habilitação. A entidade cobra maior diálogo com o governo e mais representatividade nas decisões que impactam o setor.
Congresso entra na disputa
Frente parlamentar em defesa da educação no trânsito
Em resposta à mobilização das autoescolas, a Câmara dos Deputados criou uma frente parlamentar em defesa da educação para o trânsito. A iniciativa é liderada pela deputada Laura Carneiro (PSDB-RJ), que já se reuniu com representantes do setor.
Segundo Carneiro, o presidente Lula garantiu que não há intenção de eliminar a educação para o trânsito do processo de obtenção da CNH.
Mobilização nacional
No mesmo dia da instalação da frente, a Feneauto organizou um ato em Brasília que contou com:
- Mais de 400 veículos em carreata;
- Cerca de mil manifestantes, entre instrutores, empresários e lideranças regionais.
A mobilização teve como objetivo pressionar o governo a rever a proposta e incluir o setor nas discussões oficiais.
Especialistas opinam
“O Brasil não está pronto”, diz FGV
Para o diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, a proposta é válida, mas precipitada.
“Não estamos preparados para isso ainda. A cultura do trânsito no Brasil é frágil, os índices de acidentes são altos, e temos milhões de motoristas sem CNH.”
Ele defende que o governo deve priorizar subsídios à CNH e ampliar o acesso sem comprometer a segurança viária.
“Reduzir custo é importante, mas deve ser feito com responsabilidade e planejamento”, afirmou.
Disputa política e ano eleitoral
Proposta pode ter motivação política
Fontes ouvidas pelo portal Metrópoles afirmam que o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), quer marcar posição política em um tema popular às vésperas das eleições. A intenção seria mostrar protagonismo do MDB diante da hegemonia do PT dentro do governo.
No entanto, aliados de Renan negam motivação eleitoral e afirmam que a proposta está sendo estudada desde o governo anterior.
Divergência entre ministros
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou publicamente que a proposta ainda precisa passar pelo presidente Lula. Apesar disso, fontes próximas relataram que “tudo está alinhado”.
O projeto deve passar por consulta pública antes de ser submetido ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que é presidido pelo próprio ministro dos Transportes.
O que acontece agora
Próximos passos da proposta
- Consulta pública será aberta nas próximas semanas para ouvir a sociedade civil;
- O projeto será analisado e votado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran);
- Caso aprovado, poderá ser implementado por meio de resolução do Contran ou projeto de lei no Congresso, dependendo do modelo final.
Impacto esperado
Se aprovada nos moldes atuais, a proposta promete:
- Reduzir drasticamente o custo da CNH;
- Aumentar o número de pessoas habilitadas;
- Flexibilizar a formação de condutores;
- Enfraquecer ou transformar o modelo de negócios das autoescolas.
Conclusão
A proposta do governo de flexibilizar o processo de obtenção da CNH acendeu um debate nacional sobre acessibilidade, segurança e política pública.
Enquanto milhões de brasileiros sonham com uma carteira de motorista mais barata, o setor das autoescolas luta pela sobrevivência e por manter seu papel na formação de condutores conscientes.
O Brasil caminha para uma possível reconfiguração no modo como prepara seus motoristas, mas o desafio será conciliar acesso com responsabilidade, e redução de custos com segurança viária.
